Jesus contou freqüentemente, por parábolas, histórias sobre os acontecimentos do dia-a-dia que ele usava para ilustrar verdades espirituais. Uma das mais importantes destas parábolas é aquela registrada em Mateus 13:1-23, Marcos 4:1-20 e Lucas 8:4-15. Esta história fala de um fazendeiro que lançou sementes em vários lugares com diferentes resultados, dependendo do tipo do solo. A importância desta parábola é salientada por Jesus em Marcos 4:13: "Não entendeis esta parábola e como compreendereis todas as parábolas?" Jesus está dizendo que esta parábola é fundamental para o entendimento das outras. Esta é uma das três únicas parábolas registradas em mais do que dois evangelhos, e também é uma das únicas que Jesus explicou especificamente. Precisamos meditar cuidadosamente nesta história.
A história em si é simples: "Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo crescido, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e, estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um" (Lucas 8:5-8). A explicação de Jesus é também fácil de entender: "A semente é a palavra de Deus. A que caiu à beira do caminho são os que a ouviram; vem, a seguir, o diabo e arrebata-lhes do coração a palavra, para não suceder que, crendo, sejam salvos. A que caiu sobre a pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não têm raiz, crêem apenas por algum tempo e, na hora da provação, se desviam. A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer. A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido d bom e reto coração retêm a palavra; estes frutificam com perseverança" (Lucas 8:11-15). Alguém ensina as Escrituras a várias pessoas; a resposta dessas pessoas depende do estado do coração delas, isto é, de sua atitude. Consideremos o semeador, a semente e o solo.
O trabalho do semeador é colocar a semente no solo. Uma vez que a semente for deixada no celeiro, nunca produzirá uma safra, por isso seu trabalho é importante. Mas a identidade pessoal do semeador não é. O semeador nunca é chamado pelo nome nesta história. Nada nos é dito sobre sua aparência, sua capacidade, sua personalidade ou suas realizações. Ele simplesmente põe a semente em contato com o solo. A colheita depende da combinação do solo com a semente.
Aplicando-se espiritualmente, os seguidores de Cristo devem estar ensinando a palavra. Quanto mais ela é plantada nos corações dos homens, maior será a colheita. Mas a identidade pessoal do professor não tem importância. "Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma cousa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento" (1 Coríntios 3:6-7). Em nossos dias, o semeador tornou-se a figura principal e a semente é bastante esquecida. A propaganda das campanhas religiosas freqüentemente contém uma grande fotografia do orador e dá grande ênfase ao seu nível escolar, sua capacidade pessoal e o desenvolvimento de sua carreira; o evangelho de Cristo que ele supõe-se estar pregando é mencionado apenas naquelas letrinhas, lá no canto. Não devemos exaltar os homens, mas fixarmo-nos completamente no Senhor.
A semente é a Palavra de Deus. Cada conversão é o resultado do assentamento do evangelho dentro de um coração puro. A palavra gera (Tiago 1:18), salva (Tiago 1:21), regenera (1 Pedro 1:23), liberta (João 8:32), produz fé (Romanos 10:17), santifica (João 17:17) e nos atrai a Deus (João 6:44-45). Como o evangelho se espalhava no primeiro século, foi-nos dito muito pouco sobre os homens que o divulgaram, porém muito nos foi dito sobre a mensagem que eles disseminaram (estude o livro de Atos e note que em cada cidade para onde os apóstolos viajaram, os homens eram convertidos como resultado da palavra que era ensinada). A importância das Escrituras deve ser ressaltada ao máximo.
Isto significa que o professor tem que ensinar a palavra. Não há substitutos permitidos. Freqüentemente, pessoas raciocinam que haveria uma colheita maior se alguma outra coisa fosse plantada. Então, igrejas começam a experimentar outros meios, de modo a conseguir mais adeptos. Elas recorrem a divertimentos, festas, esportes, aulas de Inglês, bandas, eventos sociais e muitas outras coisas para tentar atrair as pessoas que não estariam interessadas, se pregassem somente o evangelho. Considere esta ilustração: Imagine que meu pai me mandou plantar milho, pois ele estaria ausente da fazenda por alguns meses. Depois que ele saiu, eu decidi experimentar o solo e descobri que não era bom para o plantio do milho, mas daria um estouro de safra de melancias. Então resolvi plantar melancias. Imagine a reação de meu pai quando ele voltar para casa, esperando receber milho, e eu lhe mostrar um caminhão de melancias, em vez disso. Nosso Pai celestial nos disse qual semente plantar: a palavra de Deus. Não é noso trabalho analisar o solo e decidir plantar alguma outra coisa, esperando receber melhores resultados. A colheita do evangelho pode ser pequena (se o solo for pobre), mas Deus só nos deu permissão para plantar a palavra. Somente plantando a Palavra de Deus nos corações dos homens o Senhor receberá o fruto que ele espera. Ou, usando uma figura diferente: as Escrituras são a isca de Deus para atrair o peixe que ele quer salvar. Precisamos aprender a ficar satisfeitos com seu plano.
Aqui há uma lição para o ouvinte também. O fruto produzido depende da resposta à Palavra. É decisivamente importante ler, estudar e meditar sobre as Escrituras. A palavra tem que vir habitar em nós (Colossenses 3:16), para ser implantada em nosso coração (Tiago 1:21). Temos que permitir que nossas ações, nossas palavras e nossas próprias vidas sejam formadas e moldadas pela palavra de Deus.
Uma safra sempre depende da natureza da semente, não do tipo da pessoa que a plantou. Um pássaro pode plantar uma castanha: a árvore que nascer será um castanheiro, e não um pássaro. Isto significa que não é necessário tentar traçar uma linhagem ininterrupta de fiéis cristãos, recuando até o primeiro século. Há força e autoridade próprias da palavra para produzir cristãos como aqueles do tempo dos apóstolos. A palavra de Deus contém força vivificante. O que é necessário é homens e mulheres que permitam que a palavra cresça e produza frutos em suas vidas; pessoas com coragem para quebrar as tradições e os padrões religiosos em volta deles, para simplesmente seguir o ensinamento da Palavra de Deus. Hoje em dia, a palavra de Deus tem sido freqüentemente misturada com tanta tradição, doutrina e opinião que é quase irreconhecível. Mas se pusermos de lado todas as inovações dos homens e permitirmos que a palavra trabalhe, podemos tornar-nos fiéis discípulos de Cristo justamente como aqueles que seguiram Jeus quase 2000 anos atrás. A continuidade depende da semente.
É perturbador notar que a mesma semente foi plantada em cada tipo de solo, mas os resultados foram muito diferentes. A mesma palavra de Deus pode ser plantada em nossos dias; mas os resultados serão determinados pelo coração daquele que ouve.
Alguns são solo de beira de estrada, duro, impermeável. Eles não têm uma mente aberta e receptiva para permitir que a palavra de Deus os transforme. O evangelho nunca transformará corações como estes porque eles não lhe permitem entrar.
As raízes das plantas, no solo pedregoso, nunca se aprofundam. Durante os tempos fáceis, os brotos podem parecer interessantes, mas abaixo da superfície do terreno, as raízes não estão se desenvolvendo. Como resultado, se vem uma pequena temporada seca ou um vento forte, a planta murcha e morre. Os cristãos precisam desenvolver suas raízes por meio de fé em Cristo e de estudo da Palavra cada vez mais profundo. Tempos difíceis virão, e somente aqueles que tiverem desenvolvido suas raízes abaixo da superfície sobreviverão.
Quando se permite que ervas daninhas cresçam junto com a semente pura, nenhum fruto pode ser produzido. As ervas disputam a água, a luz solar e os nutrientes e, como resultado, sufocam a boa planta. Existe uma grande tentação a permitir que interesses mundanos dominem tanto nossa vida que não nos resta energia para devotar ao crescimento do evangelho em nossas vidas.
Então, há o bom solo que produz fruto. A conclusão desta parábola é deixada para cada um escrever. Que espécie de solo você é?
O coração verdadeiro
"Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um. Quem tem ouvidos [para ouvir], ouça" (Mateus 13:8-9). "Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a sessenta e a trinta por um" (Mateus 13:23).
É no coração exemplificado pela terra boa na parábola do semeador que o espírito e o caráter do reino do céu são apanhados e contidos. É aqui que a parábola tem o seu foco. As outras terras — resistentes, inadequadas e improdutivas — nos dizem como fracassar; a terra boa nos diz como ter bom sucesso.
No relato de Lucas, Jesus identifica a semente lançada na boa terra como aquele que recebe a palavra com "reto coração" (8:15). Esta descrição nada tem a ver com a justiça essencial, ou mesmo com a "boa pessoa", mas com aquela atitude que até o maior pecador pode ter quando confrontado com o evangelho. Isto é o coração, ainda que possa ter sido ímpio, que agora é sincero, aberto, despido de toda hipocrisia. Como disse o Senhor, o chamado do seu reino não é para os justos, mas para pecadores (Lucas 5:32). E pecadores podem, se quiserem, responder honestamente.
Esta explicação não contentará os calvinistas, cuja convicção enganada de que os homens são totalmente depravados e incapazes do bem torna sua aceitação desta simples afirmação de Jesus impossível. Premissas falsas levam a conclusões falsas. Até homens e mulheres ímpios podem decidir ter corações verdadeiros. A diferença é que não continuarão sendo ímpios. Como Jesus observou à elite religiosa em Jerusalém, "... publicanos e as meretrizes vos precedem no reino de Deus"(Mateus 21:31). As vidas dos publicanos e das prostitutas eram inegável e abertamente ímpias, entretanto muitos deles tratavam de si mesmos e do evangelho honestamente. Os escribas e fariseus, em sua hipocrisia, não eram honestos nem consigo mesmos nem com a palavra de Deus. O evangelho do reino é um espelho (Tiago 1:25) e uma sonda (Hebreus 4:12) que expõe as atitudes e os motivos de nossos corações. "Quem é de Deus ouve as palavras de Deus", disse Jesus (João 8:47), e, "Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz" (João 18:37).
De que modo o "bom e reto coração" é bom? Em Mateus, o Senhor diz que eles "ouvem a palavra e a compreendem"(Mateus 13:23). Marcos registra que eles "ouvem a palavra e a recebem" (Marcos 4:20). O coração verdadeiro, então, não somente ouve a palavra do reino, mas, diferente do coração duro (solo da beira da estrada), compreende-a e recebe-a. Tudo isto torna claro que compreender Deus não é tanto um exercício intelectual como é moral. Não é um grande intelecto que afasta os homens do reino, mas um coração pequeno e relutante.
Mas há mais. Lucas acrescenta que os corações verdadeiros "... tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perseverança"(Lucas 8:15). Há, no coração bom, em contraste com o coração raso (solo pedregoso), uma dimensão de profundidade e tenacidade. Com este modo de pensar, há uma compreensão genuína do valor do reino e uma disposição a sofrer e investir pacientemente, de modo a possuí-lo. Tal coração chega a compreender "... qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade" do amor, e a ser cheio de "...toda a plenitude de Deus"(Efésios 3:18-19).
Finalmente, os corações "honestos e bons", diferentes dos corações apinhados (terreno espinhoso), produzem frutos que dão colheita, isto é, eles cumprem o propósito de Deus em suas vidas. O que esse "fruto" abrange tem sido assunto de muita discussão. Lucas diz que tais corações produzirão "cem vezes" (8:8), ou simplesmente "produzirão fruto" (8:15).
Desde que é o propósito de Deus que seus filhos sejam "conformes à imagem de seu Filho" (Romanos 8:29), o fruto a ser produzido precisa, pelo menos, se referir ao fruto da vida transformada, o fruto do arrependimento (Mateus 3:8), "o fruto do Espírito"(Gálatas 5:22-23), "... o fruto pacífico, ...fruto de justiça"(Hebreus 12:11), "... o fruto de lábios que confessam o seu nome"(Hebreus 13:15). Comentando outro versículo em que Jesus fala da fecundidade de seus discípulos (João 15:2), Hendriksen diz "Estes frutos são bons motivos, desejos, atitudes, disposições, palavras, atos, partindo da fé, em harmonia com a lei de Deus, e feitos para a sua glória" (The Gospel of John, p. 298). Assim, não nos surpreendemos ao ouvir Paulo se referir ao modo como este coração repleto de frutos abunda para com outros "frutificando em toda boa obra"(Colossenses 1:10), em misericórdia e compaixão para com os necessitados (Romanos 15:28) e em comunhão com aqueles que pregam o evangelho (Filipenses 4:17).